A contribuição dos géneros discursivos para o ensino da língua na escola

Resumo

O objectivo deste trabalho é propor uma breve reflexão sobre a contribuição dos géneros discursivos no ensino da língua na sala de aula de acordo com as teorias de Bakhtin, Dolz e Schneuwlye e Bronckart.
Os artigos de Bakhtin são visitados, procurando estabelecer similitude e diferenças entre as concepções de outros autores.
Discorre, também, sobre a dissimilação desses textos na escola. De alguma maneira, trata-se de tornar os géneros discursivos como instrumentos básicos para o ensino da língua, neste caso o português como língua segunda ou estrangeira em Timor-Leste.

Palavra-chave: Os géneros discursivos, o ensino de língua, a escola.


Introdução

A língua como instrumento de comunicação ou capacidade humana de comunicação que interage através de textos falados, escritos e gestuais. Assim todas as actividades, por mais variadas que sejam, estão relacionadas com a utilização da língua.
A língua como uma actividade, um processo criativo, inenterrupto de construção criado pelos linguísticos. a língua tem suas formas e factores que caracterizam-a não estética mas sim artística.
Wundt e Steintahl, consideram a língua como uma emanação da "piscologia dos povos" (Volker psychologie) ou "piscologia étnica". Mas Vossler diz que o motor principal da criação da língua é o "gosto linguístico". O gosto linguístico, é pelo qual o linguista tenta descobrir o facto de língua.
Na nossa vida quotidiana, estamos sempre em contacto com os textos, com anúncios, avisos de toda a ordem, artigos de jornais, catálogos, receitas médicas, literatura de apoio à manipulação de máquinas etc., exige capacidade metatextual para a construção e descodificação dos mesmos.
As formas em que se baseiam os enunciados, são características estáveis que determinam um género, com características temáticas, composicionais e estatísticas próprias. Sendo as esferas de utilização da língua extremamente heterogêneos, também os géneros apresentam grandes heterogeneidades, incluindo desde o diálogo quotidiano à tese científica. De acordo com esta afirmação Bakhtin distingue dois géneros discursivos, géneros primários e secundários.

Fundamentos teóricos

Géneros sócio-discursivo
A riqueza e a variedade dos géneros do discueso são infinitas, pois a variedade virtual da actividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa actividade comporta num repertório de géneros discursivos que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa (Bakhtin, 1992, p. 279).
A distinção entre géneros primários e secundários tem grande importância teórica, sendo esta a razão pela qual a natureza do enunciado deve ser elucidada e definida por uma análise de ambos os géneros.
A inter-relação entre os géneros primários e secundários de um lado, o processo histórico de formação dos géneros secundários do outro, eis o que esclarece a natureza do enunciado (acima de tudo, o difícil problema de correlação entre língua, ideologia e visões do mundo).
O estudo da natureza do enunciado e da diversidade dos géneros de enunciados nas diferentes esferas da actividade humana tem importância capital para todas as áreas da linguística e da filologia.
Uma concepção clara da natureza do enunciado e dos vários tipos de enunciados em particular (primários e secundários), ou seja dos diversos géneros do discurso, é indispensável para qualquer estudo, ignorar a natureza do enunciado e as particularidades de géneros que assinalam a variedade do discurso em qualquer área do estudo linguístico leva ao formalismo e a abstração, desvirtua a historicidade do estudo, enfraquece o vínculo existente entre a língua e a vida. A língua penetra na vida através dos enunciados concretos que realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua.
O estilo está ligado indispensavelmente ao enunciado e a forma dos enunciados, isto é, aos géneros do discurso. Um género discursivo reflecte a individualidade de quem fala (ou escreve), isto é, possui estilo individual. Mas nem todos os enunciados são igualmente aptos para reflectir a individualidade na língua do enunciado, ou seja, nem todos são propícios ao estilo individual. Os géneros mais propícios são os literários.
O vínculo indissolúvel, orgânico, entre o estilo e o género mostra-se com grande clareza quando se trata do problema de um estilo linguístico ou funcional, de facto, o estilo linguístico ou funcuonal nada mais é senão o estilo de um género peculiar a uma dada esfera da actividade e da comunicação humana.
Em cada época do seu desenvolvimento, a língua escrita é marcada pelos géneros do discurso e não só pelos géneros secundários (literários, científicos, ideológicos), mas também pelos géneros primários (os tipos do dialogo oral:linguagem da reuniões sociais, os círculos, linguagem familiar, quotidiana, linguagem sócio-política, filosófica, etc.)
A ampliação da língua que incorpora diversas camadas da língua popular acarreta em todos os géneros (literários,científicos, familiares, etc.), a ampliação de um novo procedimento na organização e na conclusão de todo verbal e na modificação do lugar que será reservado ao ouvinte ou ao parceiro. Assim para o ensino da língua, neste contexto a língua portuguesa, necessita de uma metodologia adequada para o estudo da natureza do enunciado e da particularidade dos géneros do discurso que permita compreender melhor a natureza das unidades da língua (da língua como sistema) : as palavras e as orações.
A escola
Scheneuwly e Dolz (s.d.) desenvolvem a ideia de que o género discursivo é utilizado como meio de articulação entre as práticas sociais e os objectos escolares, especialmente no que diz respeito ao ensino da produção de textos, escritos ou orais. Definindo o ensino como um sistema de acções, uma acção da linguagem consiste em produzir, compreender, interpretar ou memorizar um conjunto organizado de enunciados orais ou escritos, isto é, um texto. Isto implica diferentes capacidades da parte do sujeito apreendente.
Scheneuwly & Dolz hipotetizam que é através dos géneros - vistos como formas relativamente estáveis tomados pelos enunciados em situações habituais, entidades culturais intermediárias que permitem estabilizar os elementos formais e rituais das práticas de linguagem - que essas práticas se "encaram" nas actividades de aprendizagem justamente em virtude de seu carácter intermediário e integrador.
De acordo com as potulações de Adam (especialmente, 1993) Scheneuwly, Dolz e Bronckart defendem que todo texto é formado de sequências, esquemas linguísticos básicos que entram na constituição dos diversos géneros e variam menos em função das circunstâncias sociais. Cabe aos agentes realizadores (professores) do ensino escolher de entre as sequências disponíveis, os mais adequados baseando-se nos parâmetros.
A situação escolar apresenta uma particularidade: nela se opera uma espécie e desdobramento que faz com que o género deixe de ser apenas ferramenta de comunicação, passando a ser, ao mesmo tempo, objecto de ensino e aprendizagem.
O objectivo da introdução de um género na escola é o resultado de uma decisão didáctica para:
- levar o aluno a dominar o género, principalmente para melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para melhor saber compreendê-lo, produzi-lo na escola ou fora dela; para desenvolver capacidades que ultrapassam o géneros e são transferíveis para outros géneros próximos ou distantes. Para realizar tais objectivos, torna-se necessário uma transformação, ênfase em determinadas dimensões, etc.
- colocar os alunos, ao mesmo tempo, em situações de comunicação o mais próximo possível das verdadeiras, que tenham para eles um sentido, para que possam dominá-los como realmente são. Isto porque, como foi dito, o género, ao funcionar em um lugar social diferente daquele que está em sua origem, sofre necessariamente uma transformação passando a género a aprender, ainda que permaneça género para comunicar. Trata-se do desdobramento acima mencionado, que constitui o factor de complexificação principal dos géneros na escola e de sua relação particular com as práticas de linguagem: o género trabalhado na escola é sempre uma variação do género de referência, constituindo na dinâmica do ensino/aprendizagem, para funcionar uma instituição que o tem objectivo primeiro.
Espera-se que com a actividade do ensino/aprendizagem dos géneros discursivos na escola contribuam para o ensino do português e a produção de novos géneros textuais mais relevantes para o desenvolvimento linguístico em Timor-Leste.


Bibliografia
BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da linguagem. 10 ed. São Paulo : Anna Blume e Hcitec,
2002.
BRONCKART, J.P. Atividade de linguagem, textos e discurso: por um interacionismo
discursivo. Trad. de A.R. Machado e Paulo: Educ, 1999.
BAKHTIN, Michail. Estética da Criação Verbal. São Paulo, Martins Fontes, 1992.
DOLZ e SCHENEUWLY, B. Gents et progressio em expression orale et écrite: elements de
reflexion à pros d'une experience romande. Enjeux. Tradução de Roxane Rojo, (1996).
______. Os Géneros escolares - das práticas de linguagem aos objectos de ensino.
Tradução de G.S. Cordeiro. revista Brasileira de Educação, 11 Maio/Agosto, 1997.

Língua como propriedade inapropriada de um povo

Língua como propriedade inapropriada de um povo

O livro O Monolinguismo do Outro foi apresentado, pela primeira vez, sob forma de colóquio na Louisiana, nos Estados Unidos, no ano de 1992. Nesta ocasião, Derrida, tratara da questão da linguagem como pensada pela desconstrução, como estranhamento, o que seria a introdução à sua reflexão. Nesta obra, como será melhor explicitado mais à frente, a questão do estrangeiro e sua acolhida na língua do outro. Vale aqui ressaltar que o pensamento de Derrida é associado à desconstrução, ou seja a tradução, onde ele enuncia às vezes claramente o que está em jogo na actividade para entender a língua do outro.
No Monolinguismo do Outro o paradoxo que se desdobra ao longo do texto, ter uma língua é não ter essa mesma língua, é fixado com um hipotético interlocutor, o também intelectual magrebino Abdelkebir Khatibi. O que garante a identidade é igualmente aquilo que abala ou compromete esta mesma identidade, de forma a pôr a relação consigo próprio em risco.
A obra discute o processo de formação de um imaginário linguístico - literário pelo escritor a partir da reflexão de sua aquisição da língua materna (o francês) e da necessidade de se entretraduzir que caracterizou esse aprendizado. Nesta autobiografia literária, a frase “Eu apenas tenho uma língua; e ela não é minha,” organiza as principais questões tratadas no texto e o discurso do livro remonta a uma memória sem uma identidade ficcional de pátria, vivida como memória. Desde o título da obra, aparece a referência a uma língua que o autor considera ao mesmo tempo como sua língua e como língua estrangeira. Porém, ao dizer que a única língua que possui não é a sua, não está reconhecer como estrangeira. É justamente nesse espaço intersticial da língua que se encontram as questões forjadas no livro.
A língua é de facto, o que possibilita a articulação de uma singularidade excepcional e universal que diz respeito a uma língua nossa, ao mesmo tempo em que nos impede de se apropriar dela. O monolinguismo deste outro intensifica o terror que já assombrou a desconstrução: nós recebemos a língua em uma escala muito mais ampla que a criamos. Esta relação para com a língua sempre partiu de nós mesmos, como a um endereço. A língua inapropriada é sempre a língua do outro.
Assim sendo, chegamos à questão que Jacques Derrida trata neste livro: de uma monolíngua, de uma língua por ele falada que lhe era proibida, já que não era sua, o francês. Além disso, ele é privado de toda outra língua (árabe, hebreu ou berbere. Ora ele é “jogado”, em uma tradução absoluta, uma tradução sem língua de partida. Para ele, apenas existiam línguas de chegada, e que não “chegavam” realmente já que sabiam de onde partiram. Essas meras chegadas instigavam um desejo de reconstruir, de restaurar, ou mesmo de inventar uma primeira língua.
No início da obra, o cenário de críticas que Jacques Derrida recebia é armado, através da figura de um interlocutor para com o qual se fixa uma aporia: ter uma língua é não ter essa mesma língua, paradoxo que se desdobra ao longo da obra.
Nesta obra autobiográfica, o filósofo reflecte sobre as relações que se entrelaçam entre língua, o contexto político-social, a cidadania e a identidade, no que se refere às consequências da política social francesa operada na Argélia.
A proposição contraditória apresentada (ser condenado a falar uma única língua e esta não ser a sua) suscita a seguinte questão: como é possível ser monolingue numa língua que não é sua? Mas, o ser falante só se constitui como tal a partir de uma língua que lhe é exterior e essa constituição se efectua pela inscrição num monolinguismo na língua que ele encontra no lugar do outro, nesta prótese da origem, subtítulo da obra. Este desejo de substituição e de preenchimento vago, está situada na tentativa de busca da origem, tentativa de saber o que preencher, algo que é reiterado pela escrita autobiográfica. Ao colocar em cena o desejo estrutural e irreprimível de busca desta origem, o discurso autobiográfico de Derrida se situa na borda, neste local não situável onde se dá o testemunho, onde surgem as relações entre nascimento, cultura e nacionalidade. Esta borda é atravessada por paixões da língua.
Porque é a beira do francês, unicamente, nem nele fora dele, na linha inencontrável da sua costa que, desde sempre, para sempre, eu me pergunto se se pode amar, fruir, suplicar, rebentar de dor ou muito simplesmente rebentar noutra língua ou sem mesmo nada dizer a ninguém, sem falar sequer.
É preciso pensar a localização do sujeito para com a língua, este acidente inevitável, visto que é língua que vem ao nosso encontro. Esta borda é uma linha que não se encontra, nem fora nem dentro, onde o testemunho do filósofo se desenrola. Os inúmeros trabalhos de Derrida trazem esta marca, a marca de um judeu-argelino que, infelizmente para ele, não falava o árabe, mas somente o francês, o qual, como afirma nesta obra, não era o seu idioma. Interessante questionar se é realmente possível que alguém tenha a posse de um idioma. Ou seria o idioma, aquilo que, como dito anteriormente, simplesmente nos atravessa e nos faz falar? É justamente, então, um indivíduo naturalizado francês que nunca teve outra cultura senão a Ocidental, à qual, de acordo com suas próprias palavras, jamais pertenceu de todo. Eis uma séria de ambiguidade, estar em um lugar descentrado que sempre se situou às suas margens, à sua borda.
Como a estrutura da língua também é uma repetição e está submissa à memória e ao testemunho, posto que nada pode acontecer realmente sem alguma memória e alguma promessa. Talvez seja por esta razão que a língua própria, determinada em seu uso, por alguma comunidade que a faz viver, resiste como o último valor de verdade, do sentido; o que explica a sacralização da língua enquanto suporte de uma cultura, povo ou nação que queira provar sua autenticidade. “Minha pátria, minha língua” frase empregada como defesa da manutenção de determinados padrões linguísticos. Evitar a descaracterização do idioma mantém-se como a possibilidade de salvação. Daí a íntima relação entre pensar a língua e pensar a identidade nacional, a noção de pertença e todos os seus conceitos correlatos, como cidadania e soberania nacional. O próprio filósofo sofreu a perturbação da identidade pela pertença língua comunitária,
o francês, bem como a privação da cidadania francesa por algum período. Seria então a cidadania o que responde pela inserção em algum grupo? Há um carácter estranho em estabelecer tal critério, pois não se escapa da pertença, assim como não se escapa da língua. Aliás, o filósofo nem mesmo busca dela escapar, o que busca é manter o olhar crítico sobre qualquer tentativa de substancializar o pensamento.
“O monolinguismo do outro seria em primeiro lugar esta soberania, esta lei vinda de algures, sem dúvida, mas seria também e em primeiro lugar a própria língua da Lei. E a Lei como Língua. A sua experiência seria aparentemente autónoma, porque tenho de a falar, a esta língua, e de a apropriar para a ouvir como se eu próprio ma desse; mas ela permanece necessariamente, assim o que no fundo a essência de toda a lei, heterônoma.”
Ter algo como próprio, ser dono de algo, é uma relação mercantil muito forte na cultura ocidental. Porém, seria verdadeiramente possível ser dono de sua língua? Essa é a grande discussão de O Monolinguismo do Outro e que pretendo aqui interpretar. A apropriação de uma língua é, por vezes, possível e necessária, interpretando a língua como um bem próprio que deve ser defendido, comum a um grupo, apta a identificar determinada comunidade linguística. Seria um elemento de certificação de pertença, seria a “uni-identidade” da língua, o carácter uno e comum, idêntico a todos os pertencentes deste grupo linguístico, que põe a língua como um duplo objecto de apropriação e identificação. No tocante às línguas, a assimilação da linguagem ainda é uma forma de ameaça as culturas, pois as formas mais extremas de violência política incluem o fantasma idiomático, como foi o caso vivido pelo filósofo na Argélia.
Sua autobiografia expõe uma situação singular, uma ligação particular ao francês, uma reflexão que alimenta a insuficiência da apropriação e identificação a este idioma,
e que o acompanham:
“ Eis a minha cultura, ela ensinou-me desastres em direcção aos quais uma invocação encantatória da língua materna precipitou os homens. A minha cultura foi imediatamente política. ‘ A minha língua materna’, dizem eles, falam eles, quanto a mim, cito-os e interrogo-os. Pergunto-lhes, na sua língua, evidentemente, para que me ouçam, porque isto é grave, se eles sabem bem o que dizem e de que falam. Sobretudo quando celebram tão levianamente a “fraternidade”, no fundo é o mesmo problema, os irmãos, a língua materna, etc.”
A descrição de tal situação não é meramente autobiográfica: ela serve como pressuposto para a desconstrução da língua como propriedade de um grupo. Embora o filósofo use o seu próprio nome para descrever a tensão vivida, há uma universalidade em seu discurso, dado que o monolinguismo que o faz falar de uma língua materna é sempre monolinguismo do outro – e tal outro é universal. A compreensão de seu monolinguismo como sendo do outro, visto a citação apresentada seria a revelação de uma cultura não como característica natural, mas como essência colonial, como uma lei heterônoma, uma autonomia que vem do outro, que chega até o indivíduo, o qual é obrigado a respeitá-la. Interpretar a língua como uma propriedade natural aquilo que nos integra numa comunidade, vai de encontro á proposta de Derrida, pois para ele, a língua é a lei que outros nos impuseram, e não o seio que sugamos desde infância, metaforicamente falamos, que recebemos abertamente. Como a relação entre a mãe e o bebé, que recebe a fala da mão como uma língua de chegada, sem algo que o pré-existia, é o posicionamento do monolinguismo do outro – que em primeiro momento é a mãe – pois serve como ponto de partida para a emergência do sujeito.
Não é raro ouvir discursos em que o idioma é a propriedade que permite incluir-nos em um grupo, ser nossa identificação, bem sempre como a presente ameaça a tal propriedade, por conta dos estrangeiros, das palavras fora de uso, enfim, que poderiam causar algum tipo de apagamento deste pólo identificador. Estando a língua sempre ameaçada, a necessidade de reafirmação de seu estatuto seria imprescindível, da mesma forma que a sua protecção e salvação, salvação essa que apenas a própria linguagem é apta a oferecer. No entanto, a ameaça está no por vir da língua: não se tem acesso a locutores futuros, não se pode controlar a interpretação, o que explicaria, talvez, os discursos nacionalistas autoritários de pertença a linguagem. A língua é sempre do outro, do colono, autoritária, pois nos ensinam a pensar de acordo com seus pressupostos, nos “colonizam”.
[…] independentemente do que queria ou faça, não pode entretecer com ela (língua própria) relações de propriedade ou de identidade naturais, nacionais, congenitais, ontológicas; porque não pode acreditar e dizer esta apropriação senão no decurso de um processo não natural de construções político-fantasmáticas; porque a língua não é o seu bem natural…
É através de tal carácter impróprio da língua que surgem tentativas de classificação linguística, por pureza ou riqueza, da mesma forma que alguns tentam impô-la a grupos ou contabilizam seus falantes. Para os que fazem isso, é preciso guardar a hegemonia da sua expressão. A língua é objecto de exigências políticas, pois não vemos ninguém renegado a sua língua nem tão pouco sua cultura; muito pelo contrário, o que é observado é que há um forte valor em “guardar” sua língua, dita materna, preservá-la como a um tesouro, interpretando que uma comunidade linguística é algo homogéneo e organizado. Ora, assim como o pressuposto do diálogo, que implica superficialmente uma equiparação entre os falantes, mas na verdade é uma imposição de uma das partes e aceitação imediata por parte da outra. O ideal de uma comunidade homogénea é falso, pois tal ideal está escondido na alienação ao que figura como lei, ao que vem de fora, ao que é colonizador. Neste momento, surge um importante questionamento: se tal monolinguismo é sempre do outro, sempre dissemelhanças que me cercam e que me compõe, como continuar a falar, se somos construídos por outros? Somos então alienados?
Para responder a tais questões, é necessário buscar uma dupla certeza: estamos realmente certos que não mais falamos a língua do outro, uma vez que é a mesma língua que falamos, por conta de seu carácter respectivo? As ilusões de pertença e domínio já foram “deixadas para trás”? Afinal:
Como é que se pode dizer, com uma certeza que se confunde consigo mesmo, que jamais se habitará a língua do outro, a outra língua, quando ela é a única língua que se fala, e que se fala na obstinação monolingue, de modo ciosamente e severamente idiomático, sem jamais por isso estar nela em sua casa.
Estas duas hipérboles apresentadas pelo tradutor, são, no fundo, a mesma coisa da dupla certeza que se busca possuir, duas certezas que além de uma experiência singular da língua são também uma forte resposta política às dinâmicas de relação para com a língua. Ele apresenta uma marca gramatical que indicará o carácter decisivo de sua reflexão: o uso do imperativo “[…] inventa pois na tua língua se fores capaz ou se quiseres ouvir a minha, inventa se podes ou queres dá-la a ouvir, a minha língua, como tua…” Tal imperativo exclama a invenção como tarefa do tradutor, ou qualquer um que esteja em posição de tradutor (como até mesmo um leitor), exclama o interesse na dinâmica de construção de conteúdo. Se […] “nada é intraduzível num sentido, mas num outro sentido tudo é intraduzível, a tradução é o outro nome do impossíve. O filósofo nos indica que o tempo todo há tradução, quando se lê há uma nova leitura e uma nova tradução, sendo portanto, inesgotável, sendo então tudo tradução, algo inatingível. Se a tradução é o outro nome do impossível, ao mesmo tempo estar na língua é tradução todo o tempo, só o impossível acontece: se só o possível ocorre, isto, que ocorre, na verdade, não é acontecimento, é apenas uma reprodução, continuação, condições de possibilidade. Logo o impossível acontece, não sendo este acontecimento uma mera confirmação do previamente esperado, perpetuação ou prolongamento do mesmo. Se tal afirmação pode talvez soar paradoxal, esta impossibilidade é reflectida na necessidade de invenção do idioma, a necessidade de uma referencialidade aberta, um evento de leitura que, ocorreu, estava em outro local. As várias dissemelhanças que atravessam o leitor, e que são acolhidas, não são características prévias do eu deste leitor: ora, toda leitura é então acontecimento, é invenção. Entretanto, é preciso que haja responsabilidade nesta invenção, não é algo meramente subjectivo como a interpretação possa vir a sugerir, sendo uma simples revolta contra a ordem do suposto sentido, é antes um interesse em desmontar as ilusões de identificação e aproximação, a busca das armadilhas do monolinguismo.
O monolinguismo de que falo fala uma língua de que está privado. Não é a sua, o francês. Porque está assim privado de toda e qualquer língua, e não tem outros recursos – nem o árabe, nem o berbere nem o hebreu, nem nenhuma das línguas que terão falado os antepassados – porque este monolingue é de certo modo afásico (talvez ele escreva porque é afásico), está lançado na tradução absoluta sem pólo de referência, sem língua originária, sem língua de partida. Não existem para ele senão línguas de chegada, se quiseres, mas línguas que, singular aventura, não chegam a chegar, uma vez que não sabem mais de onde partem, a partir de onde falam, e qual é o sentido do seu trajecto.
A citação acima explicita o resumo da obra, escrita pelo próprio filósofo no seu livro. Derrida aborda questão violência linguística através do paradoxo de ter só uma única língua e, ao mesmo tempo, esta língua que não ser sua. Quando o filósofo apresenta tal paradoxo, ele apresenta a pulsão da différence, lei que não obedece à lei da casa, pois não pode ser domesticada. As fronteiras que perpassam a desconstrução são apagadas e a ideia clássica da língua e subvertida, colocando a língua como vindo de um alhures, língua vinda, primeiramente, do outro. Para o filósofo, pensar o espectro, o que não é nem vivo nem morto, o fantasma, é compreender a ameaça do pensamento que não se prende à significados, à línguas que não se vinculam com seus sujeitos. Repete-se aqui uma citação já feita anteriormente:
Porque os fenómenos que me interessam são aqueles que vêm misturar estas fronteiras, aqueles que a ultrapassam deixando assim aparecer o seu artifício, isto é, as relações de força que aí se concentram e, na verdade, aí se capitalizam a perder de vista.
Este pensamento espectral denuncia o carácter violento da linguagem, denuncia o paradoxo indicador da pluralidade da língua, ao desejo de totalidade e de propriedade perpassa seus falantes. Derrida faz uso deste pensamento por conta da abertura para as dissemelhanças que o circundam, pelo desejo de apropriação que busca recuperar a língua, como uma pulsação genealógica desenfreada que por sua história e filiação. Visto que tal desejo de apropriação é sempre desejado, por conta da dificuldade em apropriar-se da língua, tal pulsação sempre se relaciona com um passado, com uma busca pela origem, desviada e assombrada pelas dissemelhanças. Para além da memória, nem sequer falo de um desvelamento último, mas do que, desde todo o sempre, permaneceu estranho à figura velada, à própria figura do véu. O filósofo teria velado a língua, embora ela não tivesse morrido. É estranho esse emprego do véu, que indica tanto uma presença quanto uma ausência : tal é o carácter do interdito – ele existe como desejo de presença, de uma voz viva que se velou na infância, e com terror debruçado na colonização francesa.
Este lugar de presença e ausência simultânea é a différance, que se aplica na língua como lei, lei de tradução. O filósofo é condenado à différence por conta da crueldade dos desejos de dissemelhança que o perpassam, localizados no seio da língua. No entanto, devemos prestar atenção na palavra “local”. Para o filósofo, a língua não se localiza, pois estamos sempre à borda, á margem. Nesta margem buscamos uma fantasia de estabilidade, que se apresenta como impossível: desejar o que é impossível faz da língua lócus de crueldade. “Mas, estás a ver, não é muito original e repeti-lo-ei ainda mais tarde, eu sempre pensei que a lei, tal como a língua, era louca – ela é em todo o caso o único lugar e a primeira condição da loucura. Habitar esta borda indica a não-domesticação, a crueldade da língua que é prometida, mas também ameaçada.
“[…] “ algures” deste outro absoluto com o qual foi obrigado a manter, para me guardar mas também para dele me resguardar, como de uma temível promessa, uma espécie de relação sem relação, resguardando-se uma da outra, na espera sem horizonte de uma língua que apenas sabe fazer-se esperar”
Tal ameaça é um risco de linguagem, do próprio pensamento espectral da desconstrução. Antes mesmo da linguagem há um antecedente, um “acto de fé” implicado na lógica do falante, igualmente na do ouvinte, que deve sustentar algum crédito de fé na palavra do sujeito. Como afirma o desconstrutor “só podemos acreditar no inacreditável”, no que não se presta à prova. O testemunho do que é acreditável é o que move toda a universalidade. Quando testemunhamos, atestamos com a fala um critério de verosimilhança, um “acto de fé” do que é demonstrado. A experiência linguística do testemunho revela a “divisão activa” da língua, reveladora dos desejos, das sujeições da universalidade. O habitar a borda se mostra como o lócus do testemunho, do engajamento na relação entre os sujeitos.
O que constitui o “terror” das línguas é justamente quando a relação entre os sujeitos da língua acontece a partir de uma presença impositiva, uma autoridade colonial que, na verdade, existe em todos os idiomas e em todas as culturas; pois todas as línguas e todas as culturas desejam se instituírem como verdadeiras, como uma promessa, como uma lei. O monolinguismo do outro é esse desejo de dominação, é essa língua do outro que me percorre, seria “esta soberania, esta lei vinda de algures, sem dúvida, mas seria também e em primeiro lugar a própria língua da lei. E a lei como língua.”
De acordo com o filósofo, as diversidades são constitutivas do indivíduo, afirmando a identidade do ser. Desta forma as identidades se fundam entre si, abalam-se entre si cada vez que são cruzadas com outras experiências de diversidades. Isto ocorre em cada instante da memória e da herança que recebemos. A lei da língua, da contaminação está aberta á herança, á hospitalidade e, portanto, á borda. Esta lei que interdita o pagamento da dívida do sujeito perante a língua, que traz a escritura e a disseminação. Para a desconstrução, a língua já é uma repressão da escritura – toda a fala, toda a apropriação como movimento recalcante da escritura é, desde sempre, um acto de violência que cria suas hierarquias bem como as estruturas que deseja preservar. A língua corresponderia a política de seu mestre, enquanto a escritura seria uma violência sem conteúdo, compromisso com a disseminação linguística: a língua teria um compromisso com seus próprios efeitos.
No Monolinguismo do Outro é descrito um amor pela promessa da língua, essa condição de promessa que pode ser perturbada, esse acontecimento sempre prometido e nunca realizado. Esse acontecimento sempre por vir, promessa sem conteúdo próprio, promessa que sustenta o desejo da mãe, da reconstituição da língua, da origem. Desejo de prévia, de uma primeira língua que seria a mãe, que nunca teve, de uma ante-primeira língua destinada a traduzir esta memória de restauração da língua materna. Essa memória na verdade, não é. Não é, posto que é rasto, espera sem horizonte de espera, é estrutura que possibilita o monolinguismo do outro.
Fazer da língua um bem natural, como propriedade, é esquecer todo o seu carácter de lei. Derrida rompe com um pressuposto natural da língua como seio, como morada, como mãe. Mesmo que pedirmos às línguas para serem um pólo de identificação, esse pedido não pode jamais satisfeito, visto que são propriedades sempre ameaçadas pela impropriedade da identificação que possam vir a ter. Fazer da língua uma propriedade natural é impor sua reapropriação, como se todo o defeito ameaçasse sua integridade; ela se transforma no elemento que deve ser salvo para poder salvar, proteger seus sujeitos. O carácter inapropriado da língua faz surgir as ameaças hegemónicas que algumas comunidades fazem, classificando-a como um tesouro no qual são guardados a história e a riqueza da língua. Esta alienação irredutível da língua a uma cultura é justamente o que revela a impossibilidade de apropriação da língua. Cada vez que alguém fala em nome da sua cultura ou invoca sua identidade cultural, quando pratica sua língua, esse alguém esquece – ou esconde – a sua alienação que atravessa seu discurso, alienação que figura como lei e que vem de um algures.
Este texto sempre crítico, indecifrável impede qualquer pretensão de propriedade da língua do outro, ao contrário obriga a enfrentar a multiplicidade das línguas.

O Português em Timor-Leste e os seus desafios

Introdução
O trabalho que vou apresentar é um trabalho do resultado de leitura e visão pessoal sobre o português e os seus desafios em Timor-Leste.
Como todos sabemos o português foi desde sempre a língua de escolarização em Timor-Leste durante séculos, foi ensinada nas escolas como língua materna, pois foi a primeira língua com a qual os timorenses aprenderam a ler e escrever até 1975.
Durante a ruptura das relações diplomáticas com Portugal em virtude da invasão e anexação forçada de Timor-Leste pela Indonésia, e as tentativas de o extinguir, o português conseguiu resistir até que voltou a ter o seu estatuto de língua oficial depois do referendo de 1999, quando a maioria dos timorenses optou pela independência. Apesar de ter sido decidido e optado como língua oficial em parceria do tétum pela maioria, no entanto há grupos que não concordam com esta decisão, constituindo assim desafios para o desenvolvimento do português neste jovem país com tantas fragilidades. O português superará estes desafios? O futuro dirá.
Como e quando é que o português chegou em Timor?
Segundo o historiador professor Luís Filipe Thomas, o português espalhou-se pelas costas dos países que marginam o Oceano Índico essencialmente por três vias: por via de dominação política, por via do comércio e por via da missionação.
À dominação política foi necessariamente pelo estabelecimento de um certo número de portugueses de origem nos territórios ocupados. A segunda foi a do comércio, na altura a Coroa portuguesa se preocupou quase exclusivamente com a importação de especiarias asiáticas para a Europa. Finamente foi a da missionação, aqui não só divulgaram a religião, mas a pregação na língua em que se exprime o povo reveste uma importância central.
Talvez a missionação não contribuiu assim tanto para a divulgação do português ao nível das massas, mas, sem dúvida ao nível dos quadros eclesiásticos teve um maior contributo, visto que o clero nativo e os auxiliares laicos dos missionários, como os catequistas, foram, desde meados do século XVI, educados em colégios em que o português era veículo normal do ensino.
Ainda segundo o historiador, o português se escalonou em Timor por quatro fases bem distintas.
A primeira fase, o português se divulgou nos ancoradouros da costa do norte, como língua de comércio, (1515-1556).
Uma outra fase foi em 1702, com a presença portuguesa já comercial e religiosa, um cariz também político.
O primeiro governador a exercer funções, foi António Coelho Guerreiro, a pedido dos régulos católicos fiéis aos portugueses, receosos do perigo calvinista. Desembarcou em começos de 1702, com apenas uma trintena de homens.
Nos meados do século, no ambiente mental subsequente ao Concílio de Trento, aos inícios da Contra-Reforma e à chegada dos primeiros jesuítas à Ásia, os dominicanos estabeleceram-se primeiramente nas ilhas de Solor e Flores. Após a queda de Malaca em 1641, os bispos dessa cidade, cuja diocese incluía toda a Insulíndia, passou a ter residência normal em Timor, até a extinção do bispado no século XIX. Em 1738, foi instituído um colégio em Timor, provavelmente em Manatuto onde ensinaram os Oratorianos de Goa. Este estabelecimento foi sem dúvida, centro de difusão da língua portuguesa, fala e escrita a um pequeno número de nativos.
Mas, após a extinção das ordens religiosas em 1834, a instrução e com ela o uso do português tenha regredido muito – pois desapareceram os seminários e os conventos dos dominicanos e o clero chegou a reduzir-se no terceiro quartel do século XIX a dois sacerdotes seculares goeses. No entanto, o português continuava, pelo menos no meio urbano de Díli, a ser de uso corrente.
O governador Afonso de Castro (1859-1863) fundou o primeiro colégio só para os filhos dos liurais e Pe. A. J. Medeiros, da Sociedade das Missões Ultramarinas (depois bispo de Macau, em 1885-1897, diocese de que Timor dependia na altura), reorganizou desde 1877 as missões católicas criando igrejas e escolas, a cargo do clero secular e seus auxiliares, e das Madres Canossianas que trouxe para Timor. Foi com elas que o ensino se abriu também para as jovens. O evento mais significativo da histórica cultural de Timor foi a fundação em 1898 do Colégio de Soibada, dirigido até 1910 pelos jesuítas. Destinava-se à formação de professores-catequistas, incumbidos ao mesmo tempo da alfabetização e da instrução religiosa das populações rurais. Por ai passaram sucessivas gerações de timorenses que têm constituído até aos dias de hoje a elite cultural do território. Destes uns permaneceram fiéis ao seu cargo de formação e outros porém ingressaram no funcionalismo público, que formavam os quadros timorenses, na véspera da invasão.
Em 1915 abriu a primeira escola oficial em Díli, a que outras se seguiram, espalhadas pelo território, embora em profusão menor que as escolas missionárias. Juntaram-se-lhe na década de 60 as escolas militares mantidas pelo exército nas zonas mais recônditas, cujo número chegou a ultrapassar a centena.
Até aqui o ensino continuou a ter por veículo o português que foi interrompida pela invasão Indonésia em 1975. O processo da difusão do português como língua oficial foi muito lento. O desenvolvimento do ensino secundário foi mais lento ainda: durante largos decénios, até ao aparecimento da Soibada, nada ocupara o lugar do desaparecido seminário dos oratorianos; só em 1938 se intentou em Díli a criação de um colégio-liceu semi-oficial, logo arruinado pela ocupação japonesa durante a II Guerra (1942-1945). Apenas em 1952 se recomeçou, datando de então o Liceu; o Seminário foi organizado dois anos mais tarde, em Dare, e a Escola Técnica criada em Díli em 1965. Por 1972 surgiram em Bobonaro, Pante Macaçar (Oé-Cussi), Maubisse, Baucau e Lospalos escolas do ciclo preparatório.
O português não chegou, pois a ser em Timor a língua normal da comunicação oral, nem mesmo como língua de contacto entre etnias de diferente falar; tal função continuou a ser desempenhada até aos nossos dias pela língua veicular tradicional, o tétum.
“O catolicismo, como outros traços de influência portuguesa em Timor-Leste, foi facilmente absorvido certamente porque a cultura portuguesa foi aí muito mais proposta que imposta. (…). Timor não foi conquistado. Timor foi abordado, primeiramente, por mercadores, de que muito pouco se sabe ao certo;”
Em Timor a influência religiosa e cultural precedeu de mais de um século o estabelecimento de uma presença política visto que o primeiro governador português só em 1903, um século e meio mais tarde, veio a pôr o pé em Timor.
A presença religiosa era assim já mais que centenária quando começou a esboçar-se a presença política e militar do estado Português em Timor. O catolicismo foi aí aceite independentemente de qualquer relação de dominação, exactamente como o islão foi aceite na maior parte da indonésia
O facto de noventa por cento da população timorense que era um povo animista ser católico noventa por cento com nomes portugueses, as danças, o vestuário e a gastronomia revelam a presença da cultura portuguesa que foi aceite pacificamente pelos timorenses.
Como referimos atrás que os missionários quando se instalaram em Timor, não só expandiram o cristianismo, mas também expandiram o português abrindo escolas para o ensino do mesmo desenvolvendo o tétum, língua franca de Timor, espontânea e paralelamente ao seu parceiro lusófono. Pois, na altura o tétum era o único meio de comunicação mais favorável para a evangelização.
O esforço dos missionários não foi correspondido pelo governo português que, só em 1915 abriu em Timor-Leste a primeira escola oficial, tentando equilibrar o esforço dos missionários, expandindo a língua portuguesa em serviço nesta meia ilha, embora o ensino atingisse apenas uma pequena elite a influência cultural portuguesa fora entretanto, ao longo de quatro séculos de presença missionária, paulatinamente assimilada.
Não obstante este tardio esforço, até 1975, apenas 50% da população se podia exprimir em português e talvez menos de metade se comunica na mesma língua, oscilando esta apenas de elite administrativa para clero católico. Até o ano 1974 só existia em todo o território uma única escola secundária, que era o liceu DR. Francisco Machado, uma escola agrícola e a escola Canto Resende que era para a formação de professores primários, essas são as escolas públicas a nível secundário.
O português, tal como o tétum, têm uma função integradora na sociedade timorense ao nível pelo menos das camadas dirigentes, dos letrados que ocupam uma posição cimeira. Como notamos já, um dos factores de unidade, em Timor, a difusão de uma cultura luso-timorense, fruto de uma aculturação paulitana ao longo de quatro séculos e meio de contacto. Através dessa cultura mestiçada a qual o catolicismo e a língua portuguesa são os dois elementos-chave, a população timorense em geral e a sua classe dirigente em especial integram-se num universo cultural mais amplo, o da civilização lusófona.
O português faz parte da história de Timor-Leste, podendo assim vir a ser considerado como uma das línguas maternas, atendendo a sua sobrevivência e resistência durante os quatro séculos e meio a par das línguas locais da família austronésia e papua e sua resistência perante as deteriorações ao ponto de a eliminar por completo. A invasão militar indonésia em Timor-leste veio impor impactos negativos na evolução da língua, exceptuando os timorenses que conseguiram emigrar para Macau, Austrália e Portugal, e que tiveram oportunidade de aperfeiçoar o português. Contudo, aos que ficaram no país, particularmente sob o controle administrativo do ocupante, foram-lhes retirados progressiva e inteligentemente a possibilidade de continuarem a falar o português, com pesadas imposições, nomeadamente, a proibição do uso da língua portuguesa, introdução e projecção da língua malaia, restrições e limitações do ensino do português, reservando-a apenas no ensino do Externato de São José e no Seminário em Balide, para mais tarde o abolir totalmente. Mas ele resistiu, apesar de já ser tão pobre a herança lusófona deixada pelos últimos governantes portugueses.
Porque português como língua oficial?
O português tem um valor universal concebida pela sua dimensão cultural, social, científica e histórica na confluência de civilizações constituem reconhecidamente alicerces fundamentais na identificação da vida da nação timorense e o seu Estado. É um idioma importante para Timor-Leste, pois sendo como língua internacional, falada por mais de duzentas milhões de pessoas nos países da CPLP, proporciona a Timor-Leste vantagens sociais e culturais e benefícios materiais. É uma língua de património cultural, de memória histórica e literária e de convivência na tradição local. Pois desde a sua existência em Timor-leste durante mais de quatro séculos foi capaz de harmonizar com as línguas locais reconhecidas para além do tétum que é língua mais falada e único meio de comunicação entre os timorenses nas suas actividades comerciais, sociais e políticas. O fenómeno de aculturação de séculos veiculada pela Língua Portuguesa e pela religião plasmada por normas e do Direito de matriz civilista ou continental, pujante de manifestações de cultura, gastronomia, arte e conhecimento que remonta séculos de existência, durante essa longa presença portuguesa, por sua incapacidade ou por sua conveniência, nunca interferiu gravosamente nas instituições locais e / ou fez poucas tentativas para mudar a cultura timorense, fez de Timor-Leste a moldura cultural de referência.
O português é a língua de saber. Uma “janela”para o Mundo. Como língua de cariz universal traz conhecimentos de ciência, tecnologia e valores humanos. Em torno desta Língua, nascem e crescem valores inconfundíveis que embrionaram o espírito da nação timorense, constituindo as bases estruturantes para o desenvolvimento social, político e económico do País. Factos históricos já referidos mostram que o português enraizou em Timor-Leste. Durante a estadia de Portugal em Timor os timorenses já entendiam e falavam português, e foi a primeira língua pela qual aprenderam a ler e escrever. O português também demonstra a identidade cultural timorense, porque com o português os timorenses aprenderam a desenvolver-se e a mudar da sua vida social, política e económica. Imagina se os nossos políticos da geração de 1975 não tivessem aprendido o português? Talvez, não seríamos uma nação como somos hoje.
Realmente a língua portuguesa, a partir dos anos 60 do último século, já constituía o veículo que possibilitava comunicarmo-nos dentro do território e também com Portugal e restantes países lusófonos de uma forma mais compreensível e inteligível.
Portanto, o português é, desde quase meio milénio, o veículo de uma presença cultural que condicionou profundamente tanto as relações externas do espaço timorense como a sua própria individualidade étnica não é de presumir que possa vir a ser levianamente alijado por qualquer político autenticamente representativo do povo de Timor.
Como sabemos, uma língua não é um instrumento neutro e que ela transporta consigo uma carga afectiva e cultural, e ao adoptar uma língua para língua oficial de um país tem que ter em conta a possibilidade de se adestrar a população no uso de várias línguas em simultânea. Relacionando com a realidade timorense, verifica-se que esta questão desdobra. Antes demais, constata-se que Timor-Leste não é uma realidade cultural uniforme. E a sua diversidade corresponde cerca de duas dezenas de línguas.
Ora, uma língua transporta em si um património secular, se não milenar, de experiência humana e o seu desaparecimento representa sempre uma perda cultural irreparável.
Daí a fixação e a aprendizagem destas línguas pelas comunidades respectivas serão promovidas em simultâneo com quaisquer medidas adoptadas para a implementação de uma língua oficial.
A nível estratégico, uma língua contribui significativamente para a identidade de um povo. Ela é um lugar de memória e de afirmação cultural. Lembremos os bascos, os irlandeses, os albaneses, os catalães… .
No caso timorense, há uma língua franca, o Tétum, que poderia exercer essa função. Teria a vantagem de ser uma língua saída do caldo das culturas locais, abrindo possibilidades a uma comunidade linguística alargada às populações de Timor Ocidental e das ilhas vizinhas.
O CNRT na sua convenção realizada em Peniche decidiu adoptar como língua oficial para o seu futuro país o português, prevendo também a sua participação como membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. O seu estatuto de língua
oficial veio a ser reforçado na Constituição da República da primeira legislatura, artigo 13. A hipótese adoptada pelo CNRT, de escolher para língua oficial o português tem muitas vantagens. Do ponto de vista pragmático, dá acesso aos outros países de língua portuguesa, bem como aos de língua espanhola. Mas há outro género de razões também. A história teceu laços entre timorenses e Portugal e a verdade é que os timorenses nutrem uma ternura particular por Portugal e pelos portugueses. Do ponto de vista identitário, a caracterização desta identidade veiculada pela língua não se esconde e nem prescreve no tempo. Ganha de forma expressiva com a reconquista da Independência de Timor-Leste. Consolida-se com o testemunho do seu credo e a sua fé. É a língua da razão e da liberdade. Através dela se exprime a vontade do povo timorense. Afirma-se os valores da cidadania, da história, escreve-se as bases da fundação da sua nacionalidade; a constituição política e serve de elo para com muitos povos e países espalhados pelo Mundo. A sua identidade leva-o à sua adesão ao espaço lusófono, uma ligação privilegiada pela luta e pela história de povos e continentes com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Esta identidade traz a auto estima de seus povos, a interacção dos mesmos e o seu relacionamento. A soberania do seu espaço e do seu território faz Timor-Leste o País insular de 1500 km2, com a sua orla e fronteira marítima uma bandeira da lusofonia sempre vibrante ao mundo. Torna-o distinto a sua soberania. Constitui sobremaneira o pilar da sobrevivência política, o equilíbrio geopolítico e económico na região. E a língua portuguesa ajudaria a consolidar estas e outras raízes simbólicas de uma identidade nacional que têm a ver com uma relação histórica singular com Portugal.
O enquadramento de Timor-Leste na CPLP, e tendo uma única língua comum, tornar-se-á fácil o entendimento e a comunicação dos mesmos que fortaleça a cooperação entre os Estados. Esta mesma língua cria também laços de amizade, solidariedade, sentido de defesa mútuos e de interesses comuns de cada um dos Países de Língua Portuguesa. Neste relacionamento estratégico, torna-o privilegiado com os Estados-membros da CPLP, designadamente com a cooperação portuguesa, brasileira, angolana e cabo-verdiana. Anota-se que actualmente o Brasil e Angola, constituem Estados potencialmente emergentes, o primeiro a nível mundial e o segundo a nível regional. É na cooperação que se torna reais as vantagens privilegiadas que Timor-Leste usufrui com Portugal, e o Brasil em áreas diversas, desde a construção de infra-estruturas básicas, para o povo e para a construção do aparelho do Estado, o desenvolvimento rural, a agricultura, pequenas e médias tecnologias, sector da saúde, ensino e educação, sector da justiça, segurança e defesa. Pode se beneficiar da União Europeia através de Portugal, como membro.
Português e os seus desafios
“Timor-Leste é uma ficção lusófona onde a língua portuguesa navega contra uma geração culturalmente integrada na Indonésia, contra a geografia, contra manipulações políticas internas e contra a sabotagem de várias agências internacionais."
Geograficamente Timor-Leste está situado entre duas grandes nações com línguas e culturas muito diferentes, os quais Timor-Leste política e economicamente está dependente a eles. De maneira que, seria contraproducente as escolas formassem timorenses incapazes de dialogar e negociar com os povos vizinhos. E isso significa, portanto, que a língua inglesa se encontra, naturalmente, no topo das exigências escolares. É a língua da Austrália e da Nova Zelândia, os dois países mais desenvolvidos e que são, certamente, parceiros económicos importantes e mercados a explorar por uma futura indústria de turismo. Língua adoptada pelo mundo da finança e da indústria, língua predominante no campo das novas tecnologias e dos grandes meios de comunicação social – porta de Timor para o mundo e vice-versa.
Outro problema que Timor-Leste tem que ter em conta é a Indonésia, vizinho difícil mas parceiro comercial importante. Porque quase cem por cento dos produtos industriais das primeiras necessidades dos timorenses são importados da indonésia.
Uma outra questão, é a presença das forças multinacionais em Timor-leste, esmagadoramente australiana, e as restantes forças de outras nações e a administração de ONU a exprimir-se na língua inglesa, introduzem um outro factor de erosão na opção feita pelo governo. Tanto mais que a estrutura unitária timorense não dispõe de meios e nem de consistência política. Como é óbvio a adopção do português como língua oficial provocou vários raciocínios contracorrentes exibidos nos anos recentes. A decisão tomada pela Assembleia Constituinte das primeiras eleições em consagrar o português como língua oficial em parceria com o tétum causou uma polémica, onde para uns é um caso consumado e para outros, uma ilógica circunstancial, uma decisão insensata.
Das várias postulações contracorrentes destacam-se:
- A língua portuguesa é falada apenas por 5% dos timorenses e, desses, poucos a falam correctamente e ainda o português é uma língua que nunca foi falada pela maioria da população;
- A opção pelo português não é mais do que o saudosismo da velha geração ao colonialismo português e é um neo-colonialismo cultural português;
- A escolha do português é uma de imposição linguística como forma de monopólio de poder político e exclusão da maioria desse poder;
- O português é definido por mestiços descendentes de portugueses que querem alguma supremacia social e cultural perante o povo e a contínua ligação com Portugal;
- A nova geração, fala a bahasa indonésia no seu dia-a-dia e o português é uma língua estrangeira que essa geração não fala e nem entende;
- O português é uma língua estrangeira e não reflecte a cultura de Timor-Leste;
- O inglês é uma língua que garante o desenvolvimento económico e tecnológico;
- O português não é uma língua de trabalho;
- A CPLP só tem países distantes de Timor-Leste e sem recursos e não são uma potência económica;
- O português é uma língua difícil;
- Quanto aos meios e ajudas financeiras, compete a outras agências (o Banco Mundial, a UNICEF, a UNDP, a UNESCO, os doadores) decidir, sem problemas. Os timorenses devem limitar-se a pensar no uso das línguas maternas como línguas de instrução à criança, através das quais a criança aprende mais depressa e melhor do que noutra língua;
- As traduções devem fazer-se em tétum, bahasa indonésia e inglês, porque o povo não lê em português;
- Não há professores de português suficiente.
Lendo as postulações dos raciocínios contracorrentes têm tratado o português, a injustiça reside no paradoxo exibido por dois regimes cúmplices: o regime ocupacionista, que reprimiu efectivamente a circulação da língua a poços da resistência (linguística, sociocultural e política); e o regime da libertação (o de grande abertura e emancipação precoce), que impõe inacessíveis parâmetros de realização social da língua.
Um outro grande desafio que amortece o espírito motivador dos jovens em aprender o português foi o teor ideológico e político dos partidos políticos nas campanhas eleitorais de 2007 relativamente ao tétum e o português.
Nas campanhas para as eleições presidenciais e parlamentares d 2007, alguns partidos políticos lançaram as suas teorias políticas em mudar as línguas oficiais vigentes em Timor-Leste, se eles ganharem nas eleições e governarem. Uns preferiam o bahasa indonésia, uns queriam o inglês e outros apenas o tétum como língua oficial. Mas, infelizmente, nenhum destes partidos tem assento no parlamento.
Português em Timor-Leste que futuro?
A língua portuguesa como língua oficial, e devido ao seu estatuto é língua segunda, termo que para Stern pode querer exprimir a relação entre a pessoa e a língua; isto é, a língua “nova” ou ‘estrangeira/ estranha’ para o indivíduo.
Sendo assim e tendo em conta o nível de proficiência, para qualquer principiante, independentemente de se aplicar ou não o critério do primeiro, ele seria sempre língua estrangeira.
Perante a dificuldade podemos optar por um de dois caminhos:
1) Considerar a questão de um ponto de vista exclusivamente sociolinguístico: o português só é língua segunda para os falantes dos países que o têm como língua oficial, onde ele está em contacto com outras e o modelo disponibilizado para aprendizagem resulta seu estatuto. Ou
2) Considerar a questão de um ponto de vista do indivíduo e resolvê-la como tantas vezes acontece, com a noção de continuum: num extremo estariam as situações de aprendizagem e de ensino mais típicas de LE e no outro as mais típicas de LS.
Ainda sobre a língua segunda, Richards comenta: “ o termo segunda língua […] tem sido cada vez mais usado em linguística aplicada para referir a aprendizagem de qualquer língua independentemente do estatuto dessa língua em relação a quem a aprende ou ao país em que esta língua esta a ser aprendida”. Ao contrário de Richards, Ellis como tantos outros, tem uma posição mais favorável a esse uso: “ Aquisição da segunda língua não pretende estabelecer um contraste com a aquisição de língua estrangeira. Ele é usado como termo genérico”.
Em termos de dificuldade cito também Susane Grass.
“É difícil imaginar uma situação em que os processos fundamentais envolvidos na aprendizagem de uma língua não materna [a non-primary language] dependessem do contexto em que essa língua é aprendida”.
O português que se ensina em Timor-Leste, pela minha visão pessoal atendendo ao seu contexto é ensinado mais como língua estrangeira do língua segunda, visto que, todos os materiais didácticos utilizados não reflectem a cultura timorense.
O português reencontra o seu lugar, como língua segunda após o tétum, cuja vocação natural é língua nacional, em detrimento dos falantes locais, cuja superabundância e baixo rendimento, em razão da população de falantes de idioma, os tornam inviáveis no ensino e no uso escrito.
Em todo o território o português foi implementado como língua de ensino desde o ensino básico até o ensino superior em todas as escolas quer públicas, quer privadas de acordo com o currículo nacional estipulado pelo Ministério da Educação de Timor-Leste.
Mas, no entanto, devido da falta de materiais didácticos e recursos humanos, o ensino ainda é trilingue, português, tétum e bahasa indonésia. Além do escasso de professores que dominam o português, muitos dos professores timorenses foram formados nas universidades da indonésia, e para além destes já formados estão-se a formar nas universidades de Timor-Leste milhares de jovens com o indonésio como língua de ensino e outros tantos, dezenas de milhares a formarem-se nas universidades da Indonésia. E estes com certeza depois do curso regressarão para o país, possibilitando assim a permanência e o uso do indonésio, desafiando o uso do português e a sua evolução.
Mesmo no ensino do português e na formação de professores, temos em Timor-Leste professores de língua portuguesa de Portugal e Brasil, embora falem todos o português, mas cada um tem a sua variante que pode influenciar o aprendente.
Uma outra variante que também influenciará a aprendizagem do português é a de Cuba. Presentemente temos centenas de médicos a prestar serviço em Timor-Leste, também temos um curso de medicina na Universidade Nacional Timor Lorosa’e ministrado pelos cubanos, e umas centenas de jovens que estão a fazer o curso de medicina em Cuba.
Para que o ensino do português seja assegurado pelos timorenses, é necessário a formação contínua dos docentes timorenses por formadores qualificados, especialmente os professores que estão no nível intermédio, refere-se aqui ao ensino pré-secundário, secundário e superior, porque estes 90% não tem formação básica em português.
Para além desses já referidos, como sabemos, os meios de comunicação, hoje em dia constituem um meio mais eficaz para a transmissão de ciência e tecnologia mais acessíveis. Actualmente os jornais em Timor-Leste estão todas em Língua indonésia e tétum, assim também os programas da televisão. Isto, de uma forma, dificulta a aprendizagem do português, visto que, estas duas línguas, ambas não têm flexão verbal. Por outro lado facilita a aprendizagem do indonésio. E assim acaba por criar um “Babel Lorosa’e” como lhe chamou Luís Filipe Thomas, não se fala bem nenhuma das línguas da praça (tétum, português, inglês, indonésio). Perdidos da gramática e do vocabulário uma geração timorense chega a idade adulta e ao mercado de trabalho não muito preparado.

Conclusão

Com os factos históricos já relatados, podemos afirmar que o português chegou em Timor desde a chegada dos primeiros portugueses, sejam eles comerciantes ou missionários. E durante quase meio século ficou lá e foi-se evoluindo com o tempo. E também com o tempo tornou-se sólida que foi capaz de resistir às tentativas de o eliminar, principalmente durante os 24 anos da ocupação indonésia em que, a língua portuguesa foi extremamente proibida o seu uso na comunicação e ensino nas escolas.
Reencontra o seu espaço depois do referendo de 1999, e agora tem o estatuto de língua oficial em parceria com o tétum.
Mas não basta que tal fique determinado na lei; ela tem que ser capaz de responder a todas as necessidades de comunicação: tem de ser o veículo de toda a informação, de toda a ciência de toda a tecnologia, ser língua de ensino, tem que ser capaz de responder a todas as necessidades económicas, sociais e políticas da sociedade.
Terá o seu futuro? Essa questão cabe a nós, todos os timorenses em geral e os governantes, especialmente o ministério da educação, em reflectir e agir de forma a responder a questão colocada.

Multiculturalismo

Introdução
Após de ter participado nos seminários da unidade curricular : Educação e Multiculturalismo, adquiri alguns conhecimentos básicos sobre essa disciplina, os quais me levaram a elaborar este meu portfólio.
As migrações internacionais constituem hoje o maior problema prioritário na agenda política mundial. À medida que a magnitude, âmbito e complexidade da questão têm vindo a aumentar, os Estados e outras partes interessadas têm vindo a aperceber-se das dificuldades e das oportunidades que as migrações internacionais representam. Em todas as partes do mundo há agora uma maior consciência de que os benefícios económicos, sociais e culturais das migrações internacionais têm de ser mais eficazes, e que as consequências negativas dos movimentos transfronteiriços podem ser melhor resolvidas.
O mundo mudou com o processo da globalização. Os Estados, as sociedades e as culturas nas várias regiões do mundo estão cada vez mais integrados e interdependentes. Milhões de mulheres, homens e seus filhos dispõe de melhores oportunidades de vida no país de acolhimento.
Muitas crianças deixam a sua terra natal emigrando com os seus pais. Estas crianças que são levadas de um país e continente para outro podem ficar traumatizadas com o facto de terem deixado para trás um modo de vida que lhes era familiar e darem por si numa sociedade em que a língua, a cultura e os valores são bastante diferentes. Esas migrações podem levar tensões entre os géneros e entre as gerações dentro dos lares, e tais conflitos podem afectar muito directamente a saúde e o bem estar dos membros mais jovens da família. No pior dos casos, podem levar a agressões e outras formas de tratamento abusivo, nomeadamente contra as raparigas e as mulheres jovens. À medida que as crianças migrantes e de grupos minoritários crescem, poderão vir também a sentir alienação e incertezas quanto à sua identidade e afinidades, nomeadamente se forem vítimas de discriminação e antipatia por parte dos outros membros da sociedade. Os filhos dos migrantes em situação irregular são particularmente vulneráveis, na medida em que poderão ficar apátridas e impedidos de usufruir do seu direito à educação. Para isso, o Estados devem garantir que os direitos, o bem estar e as necessidades educativas das crianças migrantes sejam integralmente respeitados por todos os membros da sociedade. Ao se integrarem numa nova sociedade, as crianças migrantes devem ter a oportunidade de manter o contacto com o seu país de origem. Tal como já foi referido, nesta era de globalização e de mobilidade humana, um número cada vez maior de crianças migrantes terá mais do que um “lar” e terá cidadanias duplas ou mesmo múltiplas, se tal for permitido pelos países em questão.

I. O que é o multiculturalismo?
Multiculturalismo (ou pluralismo cultural) é um termo que descreve a existência de muitas culturas numa localidade, cidade ou país, sem que uma delas predomine, porém separadas geograficamente e até convivialmente no que se convencionou chamar de “mosaico cultural”. O Canadá e a Austrália são exemplos de multiculturalismo, porém, alguns países europeus advogam discretamente a adopção de uma política multiculturalista. Em contraponto ao Multiculturalismo vigente na maioria dos países do mundo e ligada intimamente ao nacionalismo, pretende a assimilação dos emigrantes e da sua cultura nos países de acolhimento. O Melting Pot, como é o caso dos Estados Unidos e do Brasil, onde as diversas culturas estão misturadas e amalgamadas sem a intervenção do Estado.
O multiculturalismo – conforme afirma Gonçalves e Silva (1998), fazendo referências à McLaren (1997) “sem uma agenda política de transformação pode apenas ser outra forma de acomodação a uma ordem social maior”. Ele então propõe o multiculturalismo crítico que “compreende a representação de raça, classe e género como o resultado de lutas sociais … diversidade como afirmação de crítica e compromisso com a justiça social” (p.60).
O multiculturalismo implica em reivindicações e conquistas das chamadas minorias (negros, índios, mulheres, homossexuais, entre outros.
A doutrina multiculturalista dá ênfase a ideia de que as culturas minoritárias são discriminadas, sendo vistas como movimentos particulares, mas elas devem merecer reconhecimento público. Para se consolidarem, essas culturas singulares devem ser amparadas e protegidas pela lei. O multiculturalismo opõe-se ao que ele julga ser uma forma de etnocentrismo (visão de mundo da sociedade branca dominante que se toma por mais importante que as demais).
A política multiculturalista visa resistir à homogeneidade cultural, principalmente quando esta homogeneidade é considerada única e legítima, submetendo outras culturas a particularismo e dependência. Sociedades pluriculturais coexistiram em todas as épocas, e hoje, estima-se que apenas 10 a 15% dos países etnicamente homogéneos.
A diversidade cultural e étnica muitas vezes é vista como uma ameaça para a identidade da nação. Em alguns lugares o multiculturalismo provoca desprezo e indiferença, como ocorre no Canadá entre habitantes de língua francesa e os de língua inglesa.
Mas também pode ser vista como factor de enriquecimento e abertura de novas e diversas possibilidades, como confirmam o sociólogo Michel Wieviorka e o historiador Serge Gruzinski, ao demonstrarem que o hibridismo e a maleabilidade das culturas são factores positivos de inovação.
Charles Taylor, autor de multiculturalismo, Diferença e Democracia acredita que toda a política identitária não deveria ultrapassar a liberdade individual. Indivíduos no seu entender, são únicos e não poderiam ser categorizados. Taylor definiu a democracia como a política do reconhecimento do outro, ou seja, da diversidade.
Sobre o multiculturalismo houve muitas correntes políticas contraditórias como foram apresentadas por Danilo Martuccelli no seu artigo: As Contradições políticas do multiculturalismo.
Os movimentos Sociais abriram caminho para que hoje possamos nos inquietar pelo desejo de compreensão e busca de novas possibilidades pedagógicas, que nos permitem activar nossa rica diversidade cultural.
Estes movimentos sociais a que nos referimos tiveram como consequências o abalo da Ciência, da Razão, dos padrões “Universais” e hegemónicos de ser, sentir e estar nu mundo. Hoje, em todo o planeta, olhos se abrem para os Outros, principalmente para os Outros que não fazem parte do padrão e do projecto eurocêntrico.
Esses olhares não ocorrem por benevolência ou concessão de ninguém, mas por influência/pressão destes Outros/as – movimentos feministas, negros (africanos da diáspora), homossexuais, e de outros povos e culturas que não comungam ou se beneficiam com o padronizado modo euronorteamericano de ser, pensar e de agir.
Nesta panorâmica musicada mentalmente, nós nos deparamos com o movimento
negro e toda a afirmação de uma cosmovisão africana – Martin Luter King, Nelson e Winnie Mandela, luta pelos direitos civis, lutas de libertação africana; o movimento feminista, queima dos sutiãs, conquistas políticas com muitas das nossas reivindicações atendidas e absorvidas pela sociedade em geral. Vemos o movimento dos homossexuais (gays, lésbicas e bissexuais), ganhar força a cada instante e, ainda a visibilidade crescente da luta dos deficientes. Ao mesmo tempo, questões de cunho religioso/político ganham notabilidade internacional. As questões das diferenças de género, cultura, etnia/cor e de várias especialidades borbulham no mundo. E, com a visibilidade global de singularidades de outras formas de ser e estar no mundo, que se agenciam, buscando comunicação, vivem também a necessidade de pensar e discutir diante dessa nova era social que se apresenta: como se pode construir uma pedagogia multicultural e criativa que não se reproduzam padrões, estereotipias, exclusões?
Para construir uma pedagogia multicultural e criativa que não reproduzam padrões, estereotipias e exclusões é preciso basear-se nestes quatro pilares da educação ao longo da vida; Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, aprender a viver juntos.
Partindo-se do pressuposto de que identidade está sempre em estreita ralação com a questão cultural e que como nos diz Boaventura Sousa Santos (1997) as identidades culturais não são rígidas e nem imutáveis porque são sempre resultados transitórios de processos de identificação e em constante processo de transformação, “ identidades são pois, identificações em curso” (p. 135). É nesse sentido que trabalhamos o conceito da identidade.
Stuart Hall (1997) afirma que o termo identidade, motivo de muita discusão na teoria social, pressupõe alterações nos quadros de referencia social porque as “velhas identidades” estão em declínio fazendo surgir outras identidades que vão fragmentar o indivíduo moderno que até então era visto como um “ sujeito unificado”. Nas suas palavras: A assim chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas processos centrais das sociedades modernas abalando os quadros de referências que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social (p.7).
O autor aponta também três diferentes concepções de identidade: a do “sujeito do Iluminismo” onde a identidade de uma pessoa constituía-se no seu eu central. A do “sujeito sociológico” onde o núcleo interior do sujeito era formado com pessoas de importância para ele e a do “sujeito pós-moderno” que não teria uma identidade “fixa, essencial ou permanente” porque haveria dentro de nós “identidades contraditórias, empurrando em diferentes direcções”, sendo, portanto, identidade algo definido historicamente.
Espada (1997) também faz referências a esse homem pós-moderno como um “ser radicalmente em perigo de desencontro consigo mesmo” porque esta cultura coerente onde o homem se estrutura colectiva e individualmente está desaparecendo “para dar lugar a formas plurais e fragmentárias de orientação e discurso”- uma sociedade pós-moderna ou desvinculada no lugar de uma sociedade tradicional ou vinculada. (p.15)
Nesse sentido, o discurso do respeito pelas diferenças culturais vem carregado de conotações sobre o “eu e o outro” – pode-se até falar em diversidade, mas não sobre o eu e o outro em relação, em alteridade – porque esse “eu e o outro em relação” pressupõe a “descentralização do olhar”, isto é, a sensibilidade de se colocar no lugar do outro, de ver como o outro vê, aceitar um conhecimento que não se pauta exactamente nos nossos modelos de conhecimento. A noção de alteridade, enfim, supera o aceitar a existência do outro apenas como necessidade e interesse económico, construindo-se assim uma identidade de aceitação do outro…
De acordo ainda com Gusmão (1997), quando se tem como objectivo, na educação assimilar o indivíduo à ordem social, integrando-o e diferenciando-o por suas características pessoais, por género e por idade, procura-se garantir aí o equilíbrio da vida em sociedade. “A educação realiza-se, então, no interior da sociedade, composta por diferentes grupos e culturas, visando um certo controle sobre a existência social, de modo assegurar sua reprodução por formas sociais colectivamente transmitidas”. (p.14)
O “olhar etnocêntrico”, resultado do encontro entre diferentes povos, revela diferentes vivências, diferentes acções e diferentes realidades culturais que pressupõem “o sentir, o pensar e o agir do homem em colectividade ”, factores culturais que dizem respeito à intersubjectividade. A antropologia surge, então, como resultado dessas relações, constituídas historicamente, entre os homens, buscando compreender o outro e dialogando com outras formas de conhecimento. E, enquanto ciência, desenvolveu-se porque estava preocupada em superar o mundo intersubjectivo, para superar o etnocentrismo, as visões distorcidas sobre os povos diferentes do europeu. “O desafio de ver-se e ver aos outros homens para então estabelecer as bases do conhecimento”. (Gusmão, 1997, p.13)
Souta (1997) informa que na sociedade portuguesa acentua-se cada vez mais a heterogeneidade étnica, linguística e religiosa. “Portugal é cada vez mais uma sociedade multicultural” (p.93). Percebe-se isso nos vários níveis de ensino e por esse motivo, existe hoje o interesse tanto de um programa infantil televisivo quanto do Conselho Nacional de Educação pela educação multi e intercultural. E, de acordo com o Conselho Nacional de Educação – CNE, num futuro próximo, o trabalho dos educadores deverá estar voltado para uma educação intercultural.
Enquanto nas escolas aumenta a cada dia a heterogeneidade da população escolar impondo aos professores novos desafios, “o saber antropológico é subestimado, quando deveria constituir uma “ mais-valia” importante para enfrentar estas novas situações da diversidade multicultural”. Os responsáveis pela política educativa continuam presos à ideia de que a Antropologia é uma “ciência das sociedades primitivas, do exótico e do distante”. (p.103) Aqui no Brasil, ainda é novidade a existência da disciplina Antropologia nos cursos de formação de professores, mas, haveria, mesmo assim, possibilidade de se trabalhar com um currículo pluricultural?
II. As possibilidades de um currículo pluricultural
Souza (1996) faz uma pesquisa envolvendo dez organizações do Movimento Negro no Rio de Janeiro, e pelos depoimentos e material pesquisado, percebe-se que as organizações analisadas concordam que a educação escolar tem um significativo papel na luta contra a discriminação e o preconceito racial, em relação à população negra e mestiça e apontam as deficiências no currículo escolar e no curso de formação de professores como as principais causas para as dificuldades no entendimento das questões raciais dentro do espaço escolar.
Os entrevistados são de opinião que a cultura afro e a história da civilização africana devam ser inseridas no currículo oficial de ensino. Mas, a introdução desses temas no currículo escolar não é tarefa simples porque não basta o professor tomar conhecimento da problemática em questão. Há uma correlação de forças entre o poder estabelecido, a escola, o currículo e toda a comunidade escolar. Portanto, o currículo não é um “elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social” Ele transmite “visões particulares e interessadas” produzindo identidades também particulares e “tem uma história vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação”. (Moreira & Silva, 1994)
Quais seriam, então, as possibilidades de um currículo pluricultural, onde os anseios dos militantes entrevistados e – logicamente também das pessoas que estão preocupadas com essa questão – fossem contemplados?
Os Parâmetros Curriculares nacionais, propõem uma concepção que busca explicar a diversidade étnica e cultural que compõe a sociedade brasileira, compreender suas relações, marcadas por desigualdade socioeconómicas e apontar transformações necessárias, oferecendo elementos para a compreensão de que valorizar as diferenças étnicas e culturais não significa aderir aos valores do outro, mas, respeitá-los como expressão da diversidade, respeito que é, em si, devido a todo ser humano, por sua dignidade intrínseca, sem qualquer discriminação. (p.121)
Como discurso não se pode deixar de elogiar a construção desse texto. As intenções são as melhores, mas, até a implantação de medidas efectivamente concretas que possam realizar as transformações necessárias, há de se percorrer ainda em relação a questão racial – objecto dos meus estudos – mesmo considerando que alguns professores já concordam com a existência do preconceito e discriminação contra os negros, o silêncio acerca do assunto persiste.
Giroux (1995) ao postular sobre Estudos Culturais afirma que eles estão preocupados com “a relação entre cultura, conhecimento e poder” daí os educadores mais tradicionais raramente se envolverem com esses Estudos. E essa rejeição deve-se, em parte, à pretensão de parecerem profissionais científicos e objectivos onde, evidentemente não caberia a concepção do papel político do professor. De acordo com o autor: Os Estudos Culturais desafiam a suposta inocência ideológica e institucional dos/as educadores/as convencionais ao argumentar que os/as professores/as sempre trabalham e falam no interior de relações intrínsecas e socialmente determinadas de poder. … Como instituições activamente envolvidas em formas de regulação moral e social, as escolas pressupõem noções fixas de identidade cultural e nacional. (p.86)
Giroux ainda aponta para o facto de que as Faculdades de Educação vêm se organizando em torno de disciplinas convencionais onde “ os/as estudantes geralmente têm poucas oportunidades de estudar questões sociais mais amplas através de uma perspectiva multidisciplinar” (p.87) e eu acrescentaria ainda a perspectiva multicultural porque o autor argumenta que esta forma de estruturar o currículo está em desacordo com o campo dos Estudos Culturais pois estes são voltados, entre outras coisas, para as questões de raça e etnia.
Os Estudos Culturais “ oferecem algumas possibilidades para os/as educadores/as repensarem a natureza da teoria e da prática educacionais, bem como para reflectirem o que significa educar os/as futuros/as professores/as para o século XXI” (p.88/89). E como o autor ainda destaca:
Os/as educadores/as não poderão ignorar, no próximo século, as difíceis questões do multiculturalismo, da raça, da identidade, do poder, do conhecimento, da ética e do trabalho que, na verdade, as escolas já estão tendo que enfrentar. Essas questões exercem um papel importante na definição do significado e propósito da escolarização, no significa ensinar e na forma como os/as estudantes devem ser ensinados/as para viver em um mundo que será amplamente mais globalizado, high tech e racialmente mais diverso que em qualquer época na história (p.88).
António Flávio Moreira (1997) também faz referências a alguns estudos culturais que “enriquecem o debate em torno do “direito à diferença” e de suas implicações para a construção de um currículo no qual as vozes dos grupos oprimidos se representem e se confrontem, ou seja, de um currículo informado por uma perspectiva multicultural”(p.19).

III. O currículo numa perspectiva multicultural
Lopes (1997) utilizando os estudos de Sacristán (1995) assinala que o termo currículo multicultural é “ambíguo e enganador” pois trata-se de um “rótulo” onde cabem várias perspectivas. Nas palavras da autora:
Tanto pode se referir a uma perspectiva assimilacionista, em que uma cultura dominante objectiva assimilar uma cultura minoritária em condições desiguais e com oportunidades menores no sistema educacional e social, como pode ser multiétnica, um instrumento para diminuir preconceitos de uma sociedade e de suas elaborações. Pode se criar igualmente, o enfoque relativista, segundo o qual toda e qualquer perspectiva cultural é igualmente válida, (p.4).
Mas, ainda de acordo com a autora, apesar de tal discurso não se pode deixar de identificar o pluralismo cultural com a aceitação do diferente e, essa concepção pode ser vista sob dois enfoques: o do consenso e o do conflito. O do conflito seria aquele que exigiria “processos argumentativos e embates sociais para sua resolução” e o do consenso objectivaria “superar os conflitos sem confrontação”.
Já Tomaz Tadeu da Silva (1995) chama a atenção para o facto de que a Teoria do Currículo tem se voltado para uma abordagem económica e política, de influência marxista. E que não resta a menor dúvida quanto à importância dessa concepção já que vivemos ainda numa sociedade capitalista onde o processo de produção de valor e de mais valia estão presentes. Mas, ele também, aponta para outras abordagens que ampliam a “compreensão daquilo que se passa no nexo entre transmissão de conhecimento e produção de identidades sociais, isto é, no currículo” (p.199). É dentro desse contexto que eu situo a minha preocupação com a perspectiva multicultural.
Ainda de acordo com o autor, as várias representações contidas no currículo, entre elas a de raça, devem ser desconstruídas para dar lugar a outras histórias, bem diferentes daquelas colocadas pelas relações existentes de poder. Nas suas palavras:
É através desse processo de contestação que as identidades hegemónicas constituídas pelos regimes actuais de representação podem ser desestabilizadas e implodidas. O currículo será, então, não apenas um regime de representação, mas, um campo de luta pela representação (Silva, p.201).
Pensar, portanto, num currículo multicultural é pensar num currículo que leve consideração as diferentes memórias sociais 3, onde os estudantes negros e mestiços, entre outros, possam estar representados, expressando a si próprio na busca da aprendizagem e conhecimento. Isso vai exigir dos educadores uma nova postura, uma nova aprendizagem, um novo conceito de educação.
Como postula Boaventura de Souza Santos (1996) o objectivo principal de um projecto educativo emancipatório consiste em recuperar a capacidade de espanto e de indignação e orientá-lo para a formação de subjectividades inconformistas e rebeldes.
Ele tem que ser por um lado um projecto de memória e de denúncia e por outro, um projecto de comunicação e cumplicidade. Nesse sentido, o projecto educativo emancipatório significa a educação para o inconformismo, para um tipo de subjectividade que recusa a trivialização do sofrimento. “ A educação para o inconformismo tem de ser ela própria inconformista (p.26).
Esse projecto educativo será presidido por conflitos de conhecimento e, entre eles, está o conflito entre o conhecimento como regulação e o conhecimento como emancipação. O conhecimento por regulação pressupõe uma trajectória linear do caos (ignorância) para a ordem (conhecimento). Já o conhecimento por emancipação propõe uma trajectória não linear do colonialismo (ignorância) para solidariedade (conhecimento). E o conflito entre o imperialismo cultural e multiculturalismo está causando uma grande turbulência nos mapas culturais que serviram de base aos sistemas de educação eurocêntricos.

IV. O multiculturalismo e a formação de professores
Gatti, Esposito & Silva (1994), através dos resultados de uma pesquisa com uma amostra de professores do antigo 1º grau dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Maranhão, relatam que esses professores enfatizam como deficiência na sua formação os seguintes factores: “a relação teoria - prática, a compreensão dos aspectos psicológicos das crianças, a elaboração de materiais didácticos e o preparo para lidar com a relação escola - comunidade” (p.252) e, grande parte (43%) dos professores que apontam deficiências na sua formação não fizeram, nos últimos três anos, nenhum curso de capacitação.
Além disso, de forma geral, o recém-formado professor, ao entrar numa sala de aula, depara-se com uma situação muito diferente daquela idealizada por ele. A escola, principalmente aquela que trabalha com alunos mais pobres, não é aquele espaço romantizado e nem os alunos, quaisquer que sejam, são tábuas rasas onde o conhecimento pode ser depositado. De acordo com Giroux & McLaren (1994):
Para muitos professores que se vêem leccionando para alunos de classe operária ou integrantes de minorias, a falta de uma estrutura bem articulada para o entendimento das dimensões de classe, cultura, ideologia e género, presentes na prática pedagógica favorece a formação de uma alienada postura defensiva e de uma couraça pessoal e pedagógica que frequentemente se traduz na distância cultural entre “nós” e “eles” (p.134).
A complexidade de culturas e valores exige, portanto, uma formação comprometida com “questões de emancipação e transformação”. Essas questões vão combinar de um lado “conhecimento e crítica” e do outro “um apelo para a transformação da realidade em benefício de comunidades democráticas”. Giroux & McLaren, p.138).
Para trabalhar a questão racial, portanto, o professor, além de conhecer o assunto, deverá estar comprometido politicamente com questões que estão colocadas mas não estão sendo suficientemente discutidas dentro do espaço escolar. O grande desafio é como provocar no professor a vontade, a curiosidade por novos saberes? O que fazer para que o professor entenda que colocar a culpa do fracasso escolar no aluno e na sua família é adoptar uma postura individualista e liberal de que ele mesmo é vítima?
Nos PCNs postula-se a ideia de que há uma necessidade imperiosa de se inserir o tema Pluralismo Cultural na formação dos professores e que “provocar essa demanda na formação docente é exercício de cidadania. É investimento importante e precisa ser um compromisso político-pedagógico de qualquer planeamento educacional/escolar para formação e/ou desenvolvimento profissional dos professores” (p.123).
Enfim, há de se percorrer ainda um longo caminho para que o professorado, como categoria, compreenda a importância da sua prática e se dispa da ingenuidade de acreditar na neutralidade do seu trabalho, de suas acções e de sua postura. Acredito que todos estejamos de acordo com esse facto. Mas, como inserir - mais do que um tema – a sensibilidade para se trabalhar com esse tema, na formação de professores? Como as disciplinas que hoje fazem parte do currículo de formação de professores – Psicologia da Educação, Sociologia da Educação, Didáctica, Prática de Ensino, Estrutura e Funcionamento – trabalhariam o tema? Como cada uma a desenvolveria? Não seria necessário uma disciplina que trabalhasse stricto sensu essa questão?
Em razão de novas exigências, especialmente a educação multicultural tendo em conta também as exigências tecnológicas a educação deverá assumir o compromisso de formar indivíduos capacitados para ler e escrever, interpretar sua realidade criticamente, expressar-se adequadamente, lidar com conceitos abstractos, trabalhar em grupos de resolução de problemas, tomar decisões individuais e colectivas e, principalmente, “aprender a aprender” a buscar informação e/ou conteúdo em sistemas altamente complexos e interactivos (SILVA, 2003).
Comungamos com o entendimento de que “a prosperidade das nações, das regiões, das empresas e dos negócios depende de sua capacidade de navegar no espaço do saber, porque a força é conferida pela gestão competente dos conhecimentos científicos, técnicos, comunicacionais e éticos” (Levy, 1999, p.19).
As novas responsabilidades da educação para o presente século e que tenha como centro a construção da humanidade do ser humano (SOUSA, 2001), deve ser organizada em torno dos pilares do conhecimento, tendo como tónica aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser (DELORS, 1999) e que, para além das competências, saberes e habilidades, suscitem “uma dinâmica, um processo, faculdades em constituição e instituintes” (ROMÃO, 2002, p.155). O aprender terá de vislumbrar “as possibilidades da convivência dos diferentes com suas diferenças num contexto em que supere as violências, as hierarquias, os preconceitos, as inclusões perversas, as subordinações, as desigualdades económicas e as exclusões culturais” (SOUSA, 2001, p.63-64).
Conviver com o outro é importante. Ao conviver, o homem também aprende a ser, ultrapassando a sua condição biológica para assumir a sua condição histórica e na diversidade, na medida cultural e sendo capaz de situar-se como “unidade em que a identidade única da espécie humana, dada pela cultura, não consegue apagar a multiplicidade de culturas” ROMÃO, 2004, p.158).
Se a educação deseja construir uma sociedade multicultural em que todos os indivíduos possam ter acesso ao conhecimento globalizado, deve começar por modificar as concepções de ensino e pesquisa e estabelecer relações culturais e cidadãs mais humanas. Precisa começar pela nossa maneira de pensar e envolver o outro em nossas acções educativas e científicas, pois as alterações superficiais dos nossos pensamentos e instrumentos de ensino não são adequados a nenhuma transformação social profunda.
A real transformação social exige que modifiquemos nossas categorias básicas de pensamento; exige uma forma de pensamento e a alteração de todo o arcabouço intelectual em que acolhemos nossas experiências e percepções. Com efeito, precisamos exercitar a cognição, aprender uma linguagem inteiramente nova voltada para a realidade individual do outro. Portanto, o uso e acesso das tecnologias da informação e comunicação em ambientes de aprendizagem para interacção, com os novos formatos de saber, que supõe busca e recuperação, é uma possibilidade para as diferentes culturas, mas demanda a permanente necessidade da invenção e reinvenção na diversidade, a busca de unidade na diferença, a luta por ela, como um processo significativo do olhar multicultural e da prática de cidadania.
O projecto educativo emancipatório tem que definir correctamente a natureza do conflito cultural e inventar dispositivos que facilitem a comunicação. O conflito cultural não ocorre no seio da mesma cultura mas antes num espaço intercultural que tem que ser construído para que haja comunicação.
Enfim, o campo pedagógico tem que criar espaços pedagógicos para o multiculturalismo enquanto modelo emergente da multiculturalidade. Criar imagens desestabilizadoras da ideia de que existe uma cultura universal – leia-se eurocêntrica – e de que existe uma hierarquização entre as culturas, daí, a importância da alteridade e da Antropologia enquanto a ciência que vive ainda a buscá-la.
Reflectindo sobre as temáticas em análise relacionando aos debates e às postulações aqui apresentados pode-se inferir que os desafios postos, nesse final do século, são múltiplos e os professores da educação que trabalham nos cursos de formação de professores não podem mais fechar os olhos para desafios que são apresentados. E que a educação deve orientar-se aos 4 pilares fundamentais na educação ao longo da vida: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, aprender a viver juntos.

REFERÊNCIAS
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Wikipédia e Enciclopédia livre. Multiculturalismo
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GATTI, B. A. ESPOSITO, Y. L. & SILVA, R. N. Características de professores (as) de 1º grau no Brasil: perfil e expectativas. In: Educação & Sociedade. n. 48. Campinas, Papirus, ago/1994.
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GUSMÃO, Neuza Ma Mendes de. Antropologia e Educação: Origens de um diálogo. In: Antropologia e Educação. Interface do ensino e da pesquisa. Caderno Cedes, 43, 1997.
HALL, Staurt. Identidades Culturais na Pós – Modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Lauro. Rio de Janeiro, DP&A Editora, 1997.
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MCLAREN, Peter. Multiculturalismo crítico. São Paulo: Cortez, 1997.
MOREIRA, A. F.&SILVA, T.T. Sociologia e teoria crítica no currículo: uma introdução. In: MOREIRA&SILVA (orgs.) Currículo, Cultura e Sociedades. São Paulo: Cortez. 1994.
SACRISTÁN, J. G. Currículo e Diversidade Cultural. In: MOREIRA, A. F.& SILVA,T.T. Territórios Contestados – o Currículo e os novos mapas políticos e culturais.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para Uma Pedagogia do Conflito. In: Silva, Luiz H. et Allii (orgs.) Novos Mapas Culturais – Novas Perspectivas Educacionais. Alegre: Editora Sulina, 1996.
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SILVA, Tomaz Tadeu. Currículo e Identidade Social: territórios Contestados. In: SILVA Tomaz T. (org.) Alienígenas na sala de aula. Uma introdução aos estudos culturais da educação. Petrópolis, RJ, Vozes, 1995.
ROMÃO, Jeruse. História da Educação do Negro e outras histórias. SECAD, 2004.
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SOUZA, M. Elena V. Ideologia Racial Brasileira, Movimento Negro no Rio de Janeiro, e Educação Escolar. Dissertação de Mestrado. URRJ, Rio de Janeiro, 1996, mimeo.

História da Religião

O medo do desconhecido e a necessidade de dar sentido ao mundo que o cerca levaram o homem a fundar diversos sistemas de crenças, cerimônias e cultos -- muitas vezes centrados na figura de um ente supremo -- que o ajudam a compreender o significado último de sua própria natureza. Mitos, superstições ou ritos mágicos que as sociedades primitivas teceram em torno de uma existência sobrenatural, inatingível pela razão, equivaleram à crença num ser superior e ao desejo de comunhão com ele, nas primeiras formas de religião.
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Religião (do latim religio, cognato de religare, "ligar", "apertar", "atar", com referência a laços que unam o homem à divindade) é como o conjunto de relações teóricas e práticas estabelecidas entre os homens e uma potência superior, à qual se rende culto, individual ou coletivo, por seu caráter divino e sagrado. Assim, religião constitui um corpo organizado de crenças que ultrapassam a realidade da ordem natural e que tem por objeto o sagrado ou sobrenatural, sobre o qual elabora sentimentos, pensamentos e ações.
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Essa definição abrange tanto as religiões dos povos ditos primitivos quanto as formas mais complexas de organização dos vários sistemas religiosos, embora variem muito os conceitos sobre o conteúdo e a natureza da experiência religiosa. Apesar dessa variedade e da universalidade do fenômeno no tempo e no espaço, as religiões têm como característica comum o reconhecimento do sagrado (definição do filósofo e teólogo alemão Rudolf Otto) e a dependência do homem de poderes supramundanos (definição do teólogo alemão Friedrich Schleiermacher). A observância e a experiência religiosas têm por objetivo prestar tributos e estabelecer formas de submissão a esses poderes, nos quais está implícita a idéia da existência de ser ou seres superiores que criaram e controlam o cosmos e a vida humana.
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Aquelas características, que de certa forma não distinguem uma religião de outra, levaram ao debate sobre religião natural e religião revelada, o que recebeu significação especial nas teologias judaica e cristã. O americano Mircea Éliade, historiador das religiões, denominou "hierofania" a essa manifestação do sagrado, ou seja, algo sagrado que é mostrado ao homem. Seja a manifestação do sagrado uma pedra ou uma árvore, seja a doutrina da encarnação de Deus em Jesus Cristo, trata-se sempre de uma hierofania, de um ato misterioso que revela algo completamente diferente da realidade do mundo natural, profano.
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Por mais que a mentalidade ocidental moderna possa repudiar certas expressões rudimentares ou exóticas das religiões primitivas, na realidade a pedra e a árvore não são adoradas enquanto tais, como expressões de algo sagrado, que paradoxalmente transforma o objeto numa outra realidade. O sagrado e o profano configuram duas modalidades de estar no mundo e duas atitudes existenciais do homem ao longo de sua história. Contudo, as reações do homem frente ao sagrado, em diferentes contextos históricos, não são uniformes e expressam um fenômeno cultural e social complexo, apesar da base comum.
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Embora não seja fácil elaborar uma classificação sistemática das religiões, pode-se agrupá-las em duas categorias amplas: religiões primitivas e religiões superiores. Nessa divisão, o qualificativo superior refere-se ao desenvolvimento cultural e não ao nível de religiosidade.
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Religiões primitivas. A importância do culto aos antepassados levou filósofos e historiadores -- como Evêmero, no século IV a.C. -- a considerá-lo a origem da religião. As sepulturas paleolíticas corroboram essa opinião, pois comprovam já haver, naquele período, a crença numa vida depois da morte e no poder ou influência dos antepassados sobre a vida cotidiana do clã familiar. Os integrantes do clã obrigavam-se a praticar ritos em homenagem a seus defuntos pelo temor a represálias ou pelo desejo de obter benefícios ou, ainda, por considerá-los divinizados.
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No século XIX, os estudos realizados pelo antropólogo britânico Edward Burnett Tylor deram origem ao conceito de animismo, aplicado desde então a todas as religiões primitivas. Tylor sustentou que o homem primitivo, a partir da experiência do sonho e do fenômeno da respiração, concebeu a existência de uma alma ou princípio vital imaterial que habitava todos os seres dotados de movimento e vida. O temor diante dos fenômenos naturais ou a necessidade de obter seus benefícios impeliu-o a render-lhes veneração e culto.
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O fetichismo e o totemismo podem ser considerados variantes do animismo. O fetichismo refere-se à denominação que os portugueses deram à religião dos negros da África ocidental e que se ampliou até confundir-se com o animismo. Consiste na veneração a objetos aos quais se atribuem poderes sobrenaturais ou que são possuídos por um espírito. Mais que uma religião, o totemismo seria um sistema de crenças e práticas culturais que estabelece relação especial entre um indivíduo ou grupo de indivíduos e um animal -- às vezes também um vegetal, um fenômeno natural ou algum objeto material -- ao qual se rende algum tipo de culto e respeito e em relação ao qual se estabelecem determinadas proibições (uso como alimento, contato etc.).
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Religiões superiores. À medida que o homem passou a organizar sua existência numa base racional, a multiplicidade de poderes divinos e sobre-humanos do primitivo animismo não conseguiu mais satisfazer a necessidade de estabelecer uma relação coerente com as múltiplas forças espirituais que povoavam o universo. Surgiram assim as religiões politeístas, panteístas, deístas e monoteístas, expressões das condições sociais e culturais de cada época e das características dos povos em que surgiram.
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As religiões politeístas afirmam a existência de vários deuses, aos quais rendem culto. Existem duas teorias contraditórias sobre a origem do politeísmo: para alguns, é a forma primitiva da religião, que mais tarde teria evoluído até o monoteísmo; para outros, ao contrário, é uma degeneração do monoteísmo primitivo. O politeísmo reflete a experiência humana de um universo no qual se manifestam diversas formas de poder sobre-humano; no entanto, nas religiões politeístas ocorre com freqüência uma hierarquia, com um deus supremo que reina e que, em geral, pode ser a origem dos demais deuses. O problema do politeísmo seria delimitar o que se entende como deus ou como algo sobre-humano. Politeístas foram a religião grega e a romana.
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O panteísmo é uma filosofia que, por levar a extremos as noções de absoluto e de infinito, próprias do conceito de Deus, chega a considerá-lo como a única realidade existente e, portanto, a identificá-lo com o mundo. É clássica a formulação do filósofo Baruch Spinoza, no século XVII: Deus sive natura (Deus ou natureza). Alguns filósofos gregos e estóicos foram panteístas, doutrina que também é a base fundamental do budismo.
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Também uma corrente filosófica, o deísmo reconhece a existência de Deus enquanto constitui um ser supremo de atributos totalmente indeterminados. Essa doutrina funda-se na religião natural, que nega a revelação. O que o homem conhece a respeito de Deus não decorre apenas das deduções da própria razão humana. Se o universo físico é regulado por leis segundo a vontade de Deus, as relações entre Deus e o mundo moral e espiritual devem ser similares, reguladas com a mesma precisão e, portanto, naturais. O período do Iluminismo (séculos XVII-XVIII) proclamou o culto à deusa razão e a revolução francesa ajudou a organizá-lo.
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As religiões monoteístas professam a crença num Deus único, transcendente -- distinto e superior ao universo -- e pessoal. Um dos grandes problemas do monoteísmo é a explicação da existência do mal no mundo, o que levou diversas religiões a adotarem um sistema dualista, o maniqueísmo, fundado nos princípios supremos do bem e do mal.
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As grandes religiões monoteístas são o judaísmo, o cristianismo -- que professa a existência de um só Deus, apesar de reconhecer, como mistério, três pessoas divinas -- e o islamismo.
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Elementos característicos dos sistemas religiosos. Os princípios elementares comuns à maioria das religiões conhecidas na história podem agrupar-se nos seguintes capítulos: crenças, ritos, normas de conduta e instituições.
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Toda religião pressupõe algumas crenças básicas, como a sobrevivência depois da morte, mundo sobrenatural etc., ao menos como fundamento dos ritos que pratica. Essas crenças podem ser de tipo mitológico -- relatos simbólicos sobre a origem dos deuses, do mundo ou do próprio povo; ou dogmático -- conceitos transmitidos por revelação da divindade, que dá origem à religião revelada e que são recolhidos nas escrituras sagradas em termos simbólicos, mas também conceituais.
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Os conceitos fundamentais organizam-se, de modo geral, em um credo ou profissão de fé; as deduções ou explicações de tais conceitos constituem a teologia ou ensinamento de cada religião, que enfoca temas sobre a divindade, suas relações com os homens e os problemas humanos cruciais -- a morte, a moral, as relações humanas etc. Entre as crenças destaca-se, em geral, uma visão esperançosa sobre a salvação definitiva das calamidades presentes, que pode ir desde a mera ausência de sofrimento até a incógnita do nirvana ou a felicidade plena de um paraíso.
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A manifestação das próprias crenças e anseios mediante ações simbólicas é inerente à expressividade humana. Da mesma forma, as crenças e sentimentos religiosos têm se manifestado através dos ritos, ou ações sagradas, praticados nas diferentes religiões. Até no budismo, contra o ensinamento de Buda, desenvolveram-se desde o começo diversas classes de rituais. Toda religião que seja mais do que uma filosofia gera uma série de ritos ao ser vivida pelo povo. Existem ritos culturais em honra à divindade, ritos funerários, ritos de bênçãos ou de consagração e muitos outros.
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Observa-se em geral, nas diversas religiões, a existência de ministros ou sacerdotes encarregados de celebrar os principais rituais e, em especial, o culto à divindade. Os atos mais importantes desse culto são oferendas e sacrifícios praticados em conjunto, com invocações e orações. Com freqüência celebram-se os ritos em lugares e épocas considerados sagrados, especialmente dedicados à divindade, e observados com escrupulosa exatidão através dos tempos.
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O terceiro elemento característico de toda religião é o estabelecimento, mais ou menos coercitivo, de normas de conduta do indivíduo ou do grupo no que se refere a Deus, a seus semelhantes e a si mesmo. O primeiro comportamento exigido é a conversão ou mudança para um novo modo de vida. Com relação a Deus, destacam-se as atitudes de veneração, obediência, oração e, em algumas religiões, o amor. Na conduta no âmbito da esfera humana entra, em maior ou menor medida, um sistema de normas éticas.
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Quase todas as religiões cristalizam-se em algumas instituições dogmáticas (doutrinárias) e cultuais (sacerdócio, hierarquia). Muitas delas chegam a institucionalizar a conduta, com a criação até mesmo de tribunais de justiça e sanções e a organizar administrativamente as diversas comunidades de crentes e suas propriedades. Essas instituições dão forma e coesão aos crentes como um grupo social -- religião, povo, igreja, comunidade; a elas somam-se outras instituições voluntárias de tipo assistencial ou de plena dedicação religiosa, que correspondem a grupos informais dentro do grupo institucionalizado. As instituições consideram imprescindível a forma externa, enquanto que a fé considera o espírito interno como essencial à religião.
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Neste momento, podemos dividir os Homens em dois “tipos”: o homem profano e o religioso. O homem profano vive o presente e não se importa com o começo e o fim da vida e por isso não tem qualquer significado transcendente. Por sua vez, o homem religioso quer participar da eternidade e unir-se ao sagrado, ao transcendente e ajuda a manter a santidade no mundo.
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O homem religioso manifesta-se também nas festas e romarias, mas para isso dá-se a grandes sacrifícios primeiro para mostrar que a ordem humana não chega por si só. Ainda ficou por falar das hierofanias, as formas de irrupção e de manifestação do sagrado no mundo. As formas de manifestação do conceito criado por Mircea Eliade são os símbolos.
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A capacidade de impressionar a consciência do crente fortalece o símbolo, o qual manifesta um plano de verdade que não se deixa reduzir e apreender num discurso racional.
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Os símbolos transportam um poder misterioso e divino que colocam o crente numa atmosfera de fé.
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RITO
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Em Geral, um rito é um acto simbólico ou religioso que nasce das condições difíceis da vida humana, da situação concreta do homem na Terra, e que através de práticas pretende encontrar um recomeço, uma mudança aquando das tragédias e das catástrofes que o Homem enfrenta.
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O rito não obedece a nenhuma experiência colectiva e partilhada com os outros, pois pretende exercer uma força sobre os acontecimentos e regulá-los de acordo com os desejos, medos e interesses pessoais.
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Como somos livres, mas ao mesmo tempo sentimos a necessidade de explicar e libertarmo-nos dos nossos medos e angústias, recorremos ao rito para nos preservarmos contra o perigo que poderia surgir.
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Os sacrifícios, também considerados como sagrados, são um aspecto violento do rito! Tal como os ritos, os tabus não resultam obrigatoriamente da reflexão e da teoria racional e não têm sempre carácter religioso. Então, existem certos actos que são proibidos ao Homem em relação a determinados objectos ou seres e transgressor torna-se impuro ao estabelecer contacto com o ser em questão. Os tabus são pontos fracos das sociedades pois criam, normalmente, mitos em redor de certos rituais e fazem com que os Homens não cresçam e deixem as crenças do passado que não correspondem à verdade, ao real.
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Os ritos e os tabus são complementares, pois fazem parte da vida humana que mantem certos “costumes” e mentalidades que não se separam do que foram outrora.
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MITO
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A origem dos mitos remonta no começo do Tempo, de tudo. É uma narração do que os deuses ou seres divinos fizeram e isso representa para o Homem religioso uma verdade absoluta e indiscutível.
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O mito, segundo Mircea Eliade, têm como funções manter o Homem no sagrado e na realidade caso imite os deuses e santificar o mundo.
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O processo histórico-cultural que fez com que a sociedade moderna iniciasse um movimento de «dessacralização», ou seja, de se libertarem progressivamente da tutela da religião ao nível da vida, das instituições e da consciência humana do ocidente.
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Consideravam que a dependência do Homem a Deus mantinha longe da responsabilidade por si própria e pelos seus semelhantes.
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Muitos argumentaram sobre a secularização. Entre muitos historicistas, filósofos ou cientistas destacam-se Dilthey, Marx, Nietzsche, Freud, B. Russell e E. Schrödinger. Todos afirmaram que a secularização foi um passo necessário e importante pois a dependência entre o Homem e a religião era excessiva e prendia o Homem a um mundo não tão real como deveria ser.
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A fé de um crente pode ultrapassar e exercer mais “poder” do que a razão pois a fé é no que o Homem acredita, espera, deseja e pensa como possível. A razão exclui certas vontades e coisas em que se qer acreditar por serem consideradas impossíveis!
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PRINCIPAIS RELIGIÕES DO MUNDO:
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Apesar do sentimento de sagrado existem diferentes crenças e concepções religiosas que levam os Homens a “dividir-se” em diferentes religiões. Umas adoram um só Deus, outras idolatram vários!
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BUDISMO <Índia, séc.VI a.C.>:
Pretende-se radicalmente mostrar um mundo verdadeiramente em mudança, mas que não é suficiente para completar o anseio do Homem na sua busca da felicidade. Questionam-se acerca da existência e duração do mundo, da existência e da relação do Homem com o absoluto, com a vida. Buda responderá a todas as perguntas que surjam sobre esses tópicos dizendo o que o mundo não é .
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O Budismo desenvolve um sentimento de compaixão e de indulgência, de solidariedade universal entre todas as coisas – mettâkarunâ.
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As noções desta religião que se mantêm como herança dos textos sagrados hindus – védicas: § “Karma: lei da causalidade e do determinismo moral.” § “Samsâra: pluralidade das existências: reencarnação.” § “Atman: Eu ou consciência individual.” § “Brahman: consciência universal ou Eu.”
MONOTEÍSMO
É uma doutrina religiosa que apenas admite um Deus distinto do mundo e surge como oposição ao politeísmo, que admite várias figuras como deuses e que estão relacionados hierarquicamente . No mundo actual os três grandes monoteísmos são o judeu, o cristão e o islâmico. Deus é o criador do Universo e da vida e é omnipresente e representa o poder absoluto, sendo que a sua revelação positiva a Moisés e as revelações dos antigos profetas do judaísmo representa a origem comum dos três monoteísmos.
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Fonte: Autor Anonimo